Mas pra onde é que se marcha?
Sigo na cadência ríspida dos passos em coturnos
Mas pra onde é que se marcha?
É pra frente que a tropa marcha, em sincronia e disciplina,
É pra trás que a vejo, e pra onde meu olhar se dirige, acompanhando-a,
Nesse eterno retrocesso.
Na platéia, que assiste a tudo, sem entender o porquê de nada,
Há um misto de contentamento e tédio.
E o sol, sol forte, não traz nos raios cintilantes a sonhada liberdade.
Nada é como no hino...
Mas pra onde é que se marcha?
E quem é que lidera as tropas?
Quem são esses soldados, que seguem obedecendo... a marcha?
São meninos esfaimados, mulheres raquíticas,
Homens envelhecidos pelo descaso e pela dor.
São obedientes soldados,
Que já não podem lutar.
Quantos passos já terão dado em direção a seu fim?
Quantas vezes, obedecendo estupidamente aos seus superiores,
Eles retrocederam?
Pra onde é que marcham?
Acaso marcham rumo à liberdade? À sonhada independência?
Receio que o trajeto desses pés calejados pelos coturnos da opressão
Os conduza ao covil do inimigo,
Os conduza a perpetuar seu estado de torpor.
Para eles, o marchar já é um ato mecânico,
E o cansaço os impede de pensar sobre qual seja seu destino.
Pra onde é que se marcha?
É justamente por conhecer a resposta a essa pergunta,
Que escolho marchar pro lado contrário ao das tropas,
Ainda que essas venham por sobre meus ideais,
Com seus fuzis e toda força forjada...
Eu escolho marchar a marcha dos contrários,
E o convido a me acompanhar,
A compactuar comigo desse meu constante estado de revolta,
A recusar-se a acompanhar as marchas,
Que seguem perpetuando mentiras.
E aí talvez juntos, encontremos uma resposta:
Pra onde é que marchamos?