terça-feira, 22 de janeiro de 2008

As FARC

Há sempre o risco de se confundir subversão com terrorismo, ainda mais quando nos servimos de uma imprensa suja, comprometida ideologicamente com os detentores do capital, a quem não interessa em nada o compartilhar de informações imparciais sobre os fatores que levam um povo à insurgência.

Depois da farsa do 11 de setembro, o mundo parece ter se dividido mais uma vez, e agora, não mais entre blocos capitalista e socialista, como quando do pós-guerra, mas sim em neoliberais e terroristas. Toda e qualquer manifestação que se oponha ao atual estado de coisas, quero dizer, a essa política neoliberal estadunidense ridícula, é automaticamente classificado como terrorismo.

As FARC, de quem tanto temos ouvido falar nos últimos dias, são prova disso.

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia têm sido notícia corrente na mídia, desde que cogitou-se a libertação de alguns de seus reféns. O fato em questão é a maneira como o tema vem sendo abordado. Falando assim, levianamente, parece até que os revolucionários são passam de seqüestradores mercenários, desprovidos de qualquer ideologia. E é exatamente dessa forma que a grande mídia os têm apresentado.

Parece óbvio que desde sua origem, que data de 27 de maio de 1964, a organização tenha sofrido mudanças, afinal, naquela data, eram apenas 48 camponeses comunistas rebelados, fugindo para as selvas e tendo no encalço dezenas de milhares de soldados. Hoje, transformados em um grupo político armado com quase 30 mil homens.

Há quem afirme sua relação com o narcotráfico, inclusive caracterizando-o como seu financiador, quem as classifique como uma guerrilha sanguinária e completamente desprovida de elementos ideológicos, ou ainda, um eixo do mal, a alastrar-se em nossa amada América Latina... Falas cujo autor podemos facilmente reconhecer facilmente...

Os EUA apóiam o governo oficial.

Mas as ofensivas não se resumem aos EUA, há outros grupos, provenientes da desestruturação de guerrilhas liberais, que, sem nenhuma motivação ideológica e, no início recrutados por coronéis latifundiários, hoje prestam serviços a corporações multinacionais e aos cartéis do narcotráfico.

Ou ainda milícias, que aproveitando-se da condição de terra sem lei, promovem massacres de povoados inteiros, sob a escusa de tratarem-se de amigos dos guerrilheiros.

São formas de deturpar a imagem da guerrilha diante da opinião pública.

Não negarei que a imagem dos reféns, recentemente mostradas na TV, sejam fortes. Trata-se de seres humanos, e isso parece suficientemente convincente para condenarmos as ações da guerrilha. Parece, mas se as confrontarmos com as ações executadas no país pelos EUA, como o Plano Colômbia... milhares de mortos e nenhuma mudança na realidade social do país, com mais de 60% da população afundada na pobreza.

Uma solução pacífica, vendo-se deste ângulo, parece cada vez mais improvável.

A propaganda continua sendo “a arma do negócio”, se me permitem a alteração infame do provérbio. E nessa arte, os imperialistas são mestres. Não são poucos os exemplos deixados ao longo da História. Como senhores que são, orientam a opinião pública como bem entendem.

E o povo, e os povos latino-americanos continuam sujeitos aos seus desdéns e ataques de humanidade maldita, que quase sempre resultam em ações de intervenção sanguinária, e pasmem, plenamente justificáveis, ao menos é isso o que eles querem nos fazer crer.

Mas não se trata apenas de mais uma disputa por poder, tudo me leva a crer que esse conflito ainda ganhará proporções bem maiores. Mais mortos, mais pobreza e nenhuma justiça?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

SUB

É preciso, é urgente subverter

A toda essa desordem imposta

Às ordens do mal

A todo esse caos, ao qual se atribuiu nome próprio.

Já que subverteram a essência de todas as coisas,

De quase todas as pessoas,

Maculando para sempre o Ser humano.

Por que não subverter?

Se até mesmo o amor,

Foi subvertido,

Invertido em indiferença.

Se as palavras reduziram-se a armas ferozes

E soam como ecos de mentiras,

Completamente vazias de significação.

E até mesmo a voz do algoz

Já não soa tão tremenda,

Ela se resume a pequenas vibrações insignificantes

A ressoar em cordas vocais cansadas de discursos intermináveis.

Se até mesmo o algoz subverteu-se

Rendeu-se

A outros novos algozes

Também manipuláveis e manipulados.

Por que não subverter-se

Até mesmo de subverter

Vertendo vida em forma de justiça e poesia?

Por que calar as palavras

Que ainda resistem sinceras,

Sufocando o inevitável...

O tempo é de sub-versão,

Até mesmo na grafia,

Que o tempo é de guerra e desassossego,

De ódio e de indiferença,

De ostentação e subdesenvolvimento,

De fome e sede insaciáveis

de amor.

CAPITALISMO

No calor sufocante do galpão coberto com Brasilite

Eles moldam, esmerilham seus patrões,

Com seus portes altivos, e seus narizes pontiagudos empinados.

No barulho ensurdecedor das engrenagens mal ajustadas da História

Há um silêncio profundo e maldito

Do operário que cala a máquina do pensamento

E prossegue, num ritmo acelerado, produzindo as cadeias de sua exploração.

O patrão ignora seu drama

E se farta de uísque e antidepressivos, antes de dormir.

O operário exausto, imundo e esfomeado,

Farta-se de feijão com arroz,

Mal beija a mulher, dá a bênção aos filhos,

E dorme tranqüilo, depois de perder parte do sono, remoendo o dia e as contas a pagar.

Contudo, a produção não pára,

E no dia seguinte, lá estão, patrão e operário,

Um, madrugando na máquina de ponto,

O outro, vistoriado o serviço, assim que chega,

Lá pelas nove ,

Quando o operário já demonstra sinais de cansaço e fome.

A produção, contudo, não cessa.

Não imagine o contrário,

Não é o patrão que não cessa de produzir operários,

Mas o operário, que não cessa de produzir patrões.

A máquina - contradições em série




- Como pode esta máquina regurgitar tanto?

Tanto hambúrguer,

E tanta insensatez;

Tanta batata frita,

E tanto ódio;

Tanta coca-cola,

E tanta sede;

Tanto catchup,

E tantos genocídios;

Tanto lanche feliz,

E tantas porções de crianças;

Tanta simpatia,

E tanta indiferença;

Tanta cortesia,

E tanta cólera;

Tantos alvos uniformes,

E tanta humilhação;

Tanto confeito colorido,

E tanta hipocrisia;

Tanto sorvete,

E tanta náusea;

Tanta calda adocicada,

E tantas lágrimas amargas;

Tanto plástico,

E tantos pretextos;

Tantos sorrisos,

E tanto lixo;

Tanto guardanapo,

E tanta sujeira.

- Como pode esta máquina engolir tanto níquel, e cuspir só pobreza?

E ainda...

- Quando tempo permanecerá a criança imunda com o rosto colado no vidro altivo, que separa e guarda estas desgraçadas delícias?

Provavelmente apenas o tempo de um segurança, bem vestido com seu terno de fantasia, e os bolsos vazios de proletariado, vir retirá-la dali.


“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.”

Ernesto Guevara de La Serna

Devaneios

As incertezas se multiplicam à medida que a fé sucumbe ao ceticismo,

As esperanças, necessárias, essas meninas travessas, cujos olhos verdes brilham sempre e mais que a própria luz, parecem desfalecer subnutridas, mas alimentadas que são pela nossa ração de mediocridade diária.

O tempo, rugindo feroz à nossa porta,

Nós restamos reféns impotentes em face à ameaça silenciosa da fera que nós mesmos concebemos.

Os sonhos, esse tecido multicolorido do qual reveste-se a alma, cada vez mais frágil, expondo-a às suscetibilidades da nudez em um mundo amoral.

Os homens, cada vez menos humanos, já incapazes do amor.

O amor... Esse velho andarilho imundo, a quem quase ninguém se atreve a doar-se.

O fim, tão próximo quanto o estender de mãos, que promoverá o tão sonhado reencontro das incertezas com as esperanças, do tempo com os sonhos, e finalmente, do homem com o amor.

O juízo final a arrastar-se lenta e incessantemente junto dos ponteiros dos relógios,

A vida e a existência confrontando-se a cada segundo,

A morte, a cada segundo.

O abismo a estender-se imponente entre um vale de iluminadas flores roxas e uma cidade em chamas,

Um abismo de um passo, o suficiente para aproximar ou distanciar de uma vez por todas, a vida e a morte.

Anjos e potestades, castigo e redenção,

Enredos de uma canção tão antiga quanto verossímil.

E a morte, e a vida, e a existência, e o juízo final, e o fim, e o amor, e os homens, e os sonhos, e o tempo, as esperanças e as incertezas...

Fossem eles apenas substantivos, os encerraria na rigidez da Gramática,

Mas é como se os sentisse vivos,

Como se com eles tivesse de dividir o ar,

E contraditoriamente deles retirasse o fôlego e a razão da própria Vida.

Mera reflexão

Sucesso antes mesmo da estréia, “Tropa de Elite”, merece muito mais que críticas e ou elogios. Merece reflexão. É o que pretendo fazer nesta coluna, sem nenhuma pretensão à crítica de cinema, mas com a necessidade urgente de incitar reflexões.

Escolha inglória entre corromper-se ou ir à guerra. O sistema não deixa nenhuma outra alternativa além destas duas.

Por esse motivo, e só por esse motivo, “Tropa de Elite” merece ser assistido, porque sugere uma profunda reflexão sobre as engrenagens desse nosso sistema enferrujado e capenga. Não com o intuito e com a expectativa bruta de maravilhar os olhos descrentes, com cenas violentas, apenas. Se bem que essa expectativa é até compreensível, tamanha é a indignação da população diante dos desmandos do crime organizado.

Contudo, o filme propõe uma reflexão nada superficial, em nada baseada em conceitos práticos, alicerçados no rancor e no sentimento de impotência da sociedade. Além disso, sua crítica não se limita à corrupção no meio policial, não ao menos, ao meu ver.

Ao tratar tão abertamente da questão, seu enredo acaba por denunciar toda e qualquer forma de corrupção, aconteça ela em qualquer meio.

A corrupção é um mal que, infelizmente, não se limita ao meio policial, aliás, ela só se instaurou nele, em função de haverem outras tantas formas, em outros tantos meios, tão ou mais desprezíveis que esta. Talvez fosse possível remunerar melhor nossa polícia, se não existisse, por exemplo, a corrupção que faz evaporar dos cofres públicos milhões, constantemente.

Mais exemplos? Basta rever nosso passado (sempre presente) político. Em suma, nossas instituições, todas, sem exceção, alicerçam-se desgraçadamente nessa prática fraudulenta.

Terrível dizer, mas parece mesmo que as instituições tornaram-se dependentes da corrupção de tal forma, que aniquilando-se ela do seu seio, ela sucumbiria. A corrupção parece ter sido o meio encontrado pelas instituições para sobreviver... indignamente. Terrível, mas real.

Já o filme não me pareceu tão terrível assim, como pintaram alguns, digamos, mais sensíveis, ou seria melhor dizer, insensíveis, porque se negar a assistir à realidade, ainda que em formato ampliado, é uma insensibilidade. Suas imagens e textos não diferem muito daqueles aos quais assistimos diariamente nos telejornais.

A morte assumiu ares de número. Mero dado estatístico. E há de se desconfiar até mesmos destas senhoras distintíssimas: as estatísticas, visto que a corrupção já a alcançou há tempos, e ela não aprece mais testificar outra verdade, se não aquela que se faz conveniente a alguém.

Agora, imaginar que o referido filme seja um elogio à brutalidade ou um ataque feroz e leviano à polícia é, no mínimo, equivocado. O “generalizar” é sempre um equívoco.

O fato é que nele, realidades supostamente contrárias entre si, se fundem, se assemelham. A opção do policial pela honestidade é a mesma do menino que nasce no morro, cercado pela miséria, e ainda assim, não se corrompe. Ao passo que a opção do policial corrupto é a mesma do menino que vira trafiacante.

Opções...

O fato é que o sistema não nos deixa muitas.

Mais que um sucesso de bilheteria ou de crítica, meu anseio sincero, e acredito que também o seja o de seu diretor, é que “Tropa de Elite” incite a uma reflexão complexa e profunda acerca de nossas instituições e do sistema que as gerencia e mantém, ainda que cancerosas e decadentes. Ainda que corrompidas. Aliás, a corrupção serviu desde sempre aos interesses desse sistema.

Mais que criticar policiais ou bandidos, sua função é causar um verdadeiro reboliço nas mentes pensantes dessa nossa sociedade, já que é ela quem os cria, bandidos ou policiais. E quando esses dois termos tão distintos se confundem, é porque já é passada a hora de rever o funcionamento de todo um sistema.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

DEUS LHES PAGUE!

Não sei ao certo de onde surgiu esta expressão. Não faço idéia de quem tenha sido o culpado por delegar a Deus mais uma tarefa, a de recompensar, dar paga aos favores de alguém. O fato é que a ouvimos diariamente e com as mais diversas finalidades.

Sexta-feira, 04 de maio de 2007, estava eu a caminho de uma agência bancária para efetuar o pagamento de uma conta... a caminho, porque fui logo barrada na porta eletrônica, que misteriosamente detectou um metal em minha bolsa. O que seria? Celular? – perguntou o guarda do outro lado do vidro. Não, havia esquecido em casa. – Chaves? – outra negativa.

Qual seria a próxima pergunta? Sim, ela veio. – Calculadora? Ah, agora sim! E lá fui eu procurar no meio de tanta tranqueira minha pobre, honestíssima calculadora, que causara quase que um interrogatório policial. Pronto, passagem liberada.

Subo as escadas que conduzem aos caixas. Melhor, nem termino de subir, porque a fila termina nelas. À frente, depois de tantas cabeças já quentes de esperar, vislumbro os caixas, são dois. Os funcionários? O funcionário, apenas um. Por um segundo esqueci-me da minha pouca paciência para filas e tentei colocar-me no lugar dele. Ele, sozinho, atendendo a uma fila quilométrica de usuários reclamões. E o pior é que eles tinham razão, dia de pagamento de benefício do INSS e um funcionário para dar conta.

Por falar em conta, a minha já estava até amassada a essa altura...

Fila, seja de qualquer tipo é sempre entediante, mas contraditoriamente divertida. Não sei se isso acontece só comigo, mas observo muito, e por isso mesmo acabo encontrando com o que me distrair. Nessa fila, por exemplo, tinha um cara que parecia político às vésperas da eleição, falava com todo mundo, cumprimentava todo mundo; em contrapartida, havia um sujeitinho que se limitava a olhar para quem conhecia e depois rapidamente desviar o olhar, fingindo estar distraído. Reclamações, essas ouvia-se pra todo lado. Da demora, do descaso, da não existência de um aparelho de televisão para entreter, do valor irrisório do benefício, da incerteza crudelíssima com relação ao dia do pagamento, de gente que paga conta pro colega do fim da fila...

Engraçado, as pessoas ainda conseguem rir de suas próprias desgraças, habituadas que estão a serem vítimas do descaso das mais diversas instituições, incluindo as bancárias. Houve até quem citasse a lei que rege o tempo de espera nas filas de bancos. Sujeito informado. Esperou até ser atendido, o que aconteceu, mais ou menos uma hora e vinte minutos depois de ter chegado ao banco.

Você não deve estar entendendo o porquê da escolha desse título, não é? Pois bem, de repente, escuto um: - Dá licença, eu preciso passar, sou diabético e não posso ficar na fila. Vim justamente pra receber o auxílio saúde. Frase, que se repetiu ao longo do emaranhado da fila, até ser ouvida também pelo atendente, que temendo nossa reação, explicava:

- Senhor, noventa e cinco por cento das pessoas que estão na fila, o fazem para receber o auxílio doença. Eu não posso atender o senhor na frente...

Antes que o “senhor” tivesse que argumentar mais, alguém lá do fim da fila, solidário, e apoiado pelo restante de nós, gritou:

- Moço, atende ele logo. Enquanto você fica aí falando, dava pra atender ele!

O moço o atendeu, em dois minutos. Dois minutos a mais, dois a menos...

Quiçá todos os males do mundo fossem estancados em dois minutos, todas as injustiças, todas as formas de descaso, todas as filas...

Como agradecimento, nós ouvimos um sonoro:

- Obrigado, viu gente. Deus lhes pague.

E mais uma vez a dívida humana foi transferida ao divino. Não que aquele homem devesse alguma coisa, muito pelo contrário, não fosse nossa ação, ele teria sido lesado no seu direito, como foram muitos naquele dia, gestantes, deficientes físicos, idosos... Mas o nome de Deus continua ser usado em transferências absurdas... Que Deus lhes pague, sim. Que Deus lhes dê a paga devida, por tanto descaso para com o povo.


“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague”

(Canção “Deus lhe pague” – Chico Buarque de Holanda)


DEUS LHES PAGUE!