domingo, 10 de fevereiro de 2008

CIDADE ÓRFÃ


Aquelas letras poderiam muito bem passar despercebidas naquele cartaz, não fosse a gravidade da mensagem que traziam, e não estivesse ela em frente à porta do cinema da cidade. O único, o sobrevivente. Sim, porque em épocas áureas, a cidade chegou a ter quatro deles.

E aquele cartaz ali, exposto aos olhares mais distraídos e aos mais implacáveis e observadores também, parecia mais um misto de abandono e gratidão. Na verdade, era como se uma aura de melancolia e saudosismo o envolvesse. O cartaz solitário em meio à multidão que congestiona as calçadas do centro, parecia ganhar voz, e personificando-se, solenemente sentenciava uma morte.

É fato que as pessoas reagem de formas diversas à morte, mas essa era sem dúvida uma perda comum a todos os cidadãos bragantinos. E porque não estendê-la aos nossos companheiros de cidades vizinhas, como Vargem. Sim, eles também estão órfãos...

Foi com sincero pesar que interpretei aquelas curtas sentenças, e conclui, mesmo que a contra gosto, que a cultura, sem incentivo nem respeito nesse nosso país, tende a sucumbir diante da forçosa tarefa de manter-se viva e atuante, em meio a um mercado tão desleal. Sim, a cultura sofre, feito fosse uma mercadoria qualquer, as deslealdades das leis de oferta e procura e livre concorrência de que se alimenta o mercado.

ATENÇÃO

A partir de hoje, o Cine Bragança encerra as suas atividades.

A empresa e funcionários agradecem aos que colaboraram conosco durante todos esses anos.

O nosso muito obrigado”.

O fato é que, depois de 53 heróicos anos de funcionamento, nosso cinema deu por encerradas suas atividades.

Creio que não cabe aqui uma discussão mais aprofundada acerca da questão da pirataria, mas é óbvio que ela tem uma ligação direta com esse incidente. Compra-se uma cópia de DVD pirata por cinco reais... (A indeterminação do sujeito cai bem neste momento). Em verdade, produz-se um original por bem menos que isso, mas o preço que chega ao consumidor é absurdamente superior. Como concorrer com esse mercado em franca expansão? Aqueles em quem ainda resta um pouco de sensibilidade, hão de convir se tratarem de situações bem diferentes, levando-se me conta o significado cultural do ambiente “cinema”, contudo, não parece ter havido nenhum interesse em mantê-lo funcionando. Refiro-me a interesses políticos mesmo, qualquer ajuda ou subsídio, que evitasse seu fechamento e os tristes dizeres do cartaz a que me referi no início do texto. Não houve. E espero sinceramente, que haja mais interesse em se buscar alternativas para reativá-lo.

Engraçado que para o carnaval, esses recursos existiram, e em abundância. Aliás, caro leitor, permita-me fazer um desabafo a respeito do caos em que se transforma o trânsito de nossa cidade em função da festa. É simplesmente insuportável...

Luxo e ostentação desnecessários na avenida e pesar e perda na vida cultural já tão empobrecida de nossa cidade.

Certamente há aqueles que irão referir-se ao extinto cinema, de forma a apresentá-lo depreciativamente, tecendo comparações com outros cinemas mais modernos, contudo, e apesar disso, certamente terão também lembranças de passagens vividas no nosso cinema, sejam elas boas ou ruins.

Sem receio de parecer piegas ou apelativa, posso afirmar que fica uma lacuna na vida cultural de Bragança, um vácuo, que jamais poderá ser preenchido, ainda que reste nele um cartaz de despedida. Um cartaz que é em si uma metáfora daquilo que a cultura representa em nosso país e o respeito que a ela é delgado. Um cartaz solitário, solene, sentenciando a morte, em meio a uma multidão de transeuntes despreocupadamente alienados.


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