Estou farta e todos os meus sentidos assim estão...
Meus ouvidos fartos
Do bordão desafinado dos derrotados
Dos uivos angustiantes dos medíocres
Da miséria a que eles se submetem
Dessa gente pequena
Remoendo miudezas malditas e insignificantes
Maquinando o mal
Curtindo o tempo entre devaneios maquiavélicos
Indiferente à destreza do tempo
Que sábia e silenciosamente a mata
Das palavras desditas covardemente
Das meias palavras
Dos eufemismos hipócritas
Da festa sem motivo
Minha visão cansada
De assistir sempre à mesma cena
Dos mesmos protagonistas algozes
E da figuração esfaimada e sofrida
De ver que mudam-se as mãos
Contudo, as armas permanecem as mesmas
E minha miopia não me ajuda em nada
Porque tudo isso se aloja feito praga
Muito perto de mim
Meu olfato enojado
Do cheirar continuamente toda essa podridão
A que se resumiu a humanidade
Com todos os seus mortos-vivos
Chega a doer, a arder as narinas
Tão forte é o odor da mentira,
Da falta de caráter e de fé.
Meu paladar comprometido
Pelo azedume dos gritos calados
Engolidos a seco
Sem o mínimo auxílio
De um simples gole d’água
Seja ela ardente ou não
Das injustiças, maceradas a muito custo
E não dos injustiçados
Dos injustos, sob qualquer forma
Desde os mais pedantes
Até os mais luxuosamente engravatados
Dos restos de amor de entre os dentes,
Eliminados furiosamente
Com água, escova e creme dental
Meu tato, quem diria
Insensível
Dominado pelo torpor
De mãos que já não se afagam mais
As mãos que formigam ódio e ganância
Que subornam e atraicionam
E quando estendidas
Desferem tapas violentos, à face
De quem delas espera
Algum afeto
Um comentário:
Este poema impressiona... O cansaço dos sentidos é a alma exausta, é a impossibilidade de fuga ou alívio. Se o que os ouvidos ouvem, os olhos vêem, a boca prova, o tato experimenta e o olfato cheira é doloroso, o que resta? No fundo, o que todos os sentidos têm pra captar é isto mesmo que você descreveu... Parabéns!
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