sábado, 3 de julho de 2010

As marcas do amor

Dizem: “o amor deixa marcas”, e o dizem bem, mas há que se fazer uma distinção aqui: essas marcas podem ser boas ou extremamente dolorosas.
Há quem diga que quando são assim dolorosas, assemelham-se a feridas profundas, sempre abertas, e nem mesmo o tempo é capaz de cicatrizá-las.
Quase sempre o amor está associado à dor, como se a existência de um dependesse da do outro. É como se a dor fosse um parasita, a alimentar-se do amor, ou seria o contrário?
A dor incomoda, aborrece, machuca, impacienta... Talvez por isso, quase sempre evitamo-la, esquivamo-nos dela, combatemo-la.
Ah, mas ela é tão necessária!
Talvez você nem desconfie, meu querido, mas ela, até mesmo ela está sob meu controle e posso usá-la, convertendo-a sempre para o seu bem.
Ainda me lembro como se fosse hoje do dia em que você experimentou a dor pela primeira vez, eu estava lá, na luz que feriu seus olhinhos recém-abertos. E que choro você chorou, hein, filhinho! Que fôlego!
E o dia em que foi aprender a andar de bicicleta, ah, e pela primeira vez sem rodinhas... Eu o segurava, dirigindo-o, mas não, não evitei seus tombos, assoprei seus joelhos ralados. E quantas vezes mais depois dessa você os ralou, hein... É, você teve uma infância agitada!
Na adolescência, quanta dor! Quantas dúvidas e quantos temores te cercaram. Algumas desilusões também... Não, minha querida, aquele moço não é pra você, estou separando um melhor...
Mas seu coraçãozinho doía, machucado que estava. Eu podia sentir sua tristeza, mas não a evitei. E como você cresceu e aprendeu com ela! Sinto-me orgulhoso!
Já na vida adulta, parece mesmo que as dores se acumulam, não é, filhinho? Desculpe, sei que você não gosta que o chame assim, afinal, já é homem feito (feito a minha imagem e semelhança), mas para mim, você o sabe bem, será sempre um menino.
Tantas dores, meu amado, físicas, psicológicas...
Tanto amor... nas noites que passo à beira da sua cama, velando seu sono, que às vezes demora a vir, e eu me pergunto: Por que se preocupar tanto, filho? Eu estou aqui, meu amor por você é incondicional e eterno, que mal pode lhe atingir?
E quando você finalmente pega no sono, eu confesso, continuo te olhando...
Tanto amor... quando o cerco de pessoas que, assim como eu, também o amam e cuidam de ti, com as minhas mãos.
Tanto amor... quando você rola um lance inteiro de escadas, não é, Aninha? Eu a ouvi chamando, viu? Muito antes daquela senhora verbalizar: Meu Deus! Na verdade, já estava contigo, fomos juntos pra lá, lembra?
E eu que a fiz tão branquinha, agra a vejo olhando para todos esses hematomas, tão roxos, grandes e doloridos... Eu sinto a sua dor, seu alívio ao receber cuidado, eu ouço suas marcas, porque sim, elas falam, falam de mim e do meu amor, e com tanto carinho, que meu coração se enche de alegria! Sim, meu amor, até mesmo seu corpo e sua dor me manifestam aos que estão ao seu redor.
Mas não se preocupe, estou cuidando de ti, logo, tudo isso passa e você verá, estará muito mais forte e próxima de mim quando tudo isso acabar.
O amor... o amor sempre deixa suas marcas. Algumas, tão profundas, que resistem até mesmo à morte.
Lembro-me tão nitidamente daquela tarde. Daquela tarde em que meu coração de pai foi partido. Era tanta dor, que ainda hoje um arrepio percorre meu corpo quando me lembro.
Meu filho morria pregado numa cruz. Meu amor por você deixava em suas mãos marcas eternas. Tomé, aquele incredulozinho a quem amo, que o diga, quis tocá-las, quando já vivo novamente Le o encontrou.
Eu sofri tanto aquela tarde, meu coração apertava a cada chicotada e humilhações que ele sofria, porque cada uma delas me lembrava o quão longe você se encontrava de mim.
Tanta dor! Tanta, que meu filho chegou apensar que eu o tivesse abandonado... Eu o sacrificava por amor a você!
Quantas vezes você também pensa que eu o abandonei, que me esqueci, que simplesmente não o amo... e que dor isso me causa!
Talvez você me veja como um Deus distante, indiferente, mas, meu amado, eu estava naquela cruz me deixando morrer única e exclusivamente por amor a você. E só ressurgi depois de três dias, vencendo a morte, pra te provar que esse meu amor por ti é eterno!
Ei, não tem aas dores, não as maldiga. Não tema o futuro, que eu o estou tecendo pra você e, você sabe, adoro surpreendê-lo, sempre positivamente.
Não tema nem mesmo seus medos ou dúvidas, eu os compreendo e ajudo a superar, afinal, desejo que sejamos cada vez mais íntimos.
Apenas, confie em mim, como quando era criança, lembra? Sua mãe ia até seu quarto e orava com você. Ah, que bonitinho ouvi-lo repetir suas palavras. Que maravilhoso senti-las sinceras, e depois ouvir seu coraçãozinho bater tranqüilo e velar seu sono de criança, pesado e repleto de sonhos. Lembra?
Então, é só confiar em mim. Eu não prometo evitar todas as suas dores, mas lhe garanto que estarei ao seu lado para ajudá-lo a passar por elas.
E quando você finalmente parar de chorar, eu sei, vai abrir aquele sorriso lindo, que eu mesmo idealizei antes que nascesse.
E quando seus olhos, tão viciados em imagens tão torpes, lavarem-se na minha água, ah... você me verá!
E quando seus ouvidos finalmente se desfizerem da cera desse mundo e das vozes descrentes à sua volta, eu sei, você vai me ouvir dizendo: Filho, eu te amo!
E enfim, você saberá que isso basta.

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