quarta-feira, 26 de março de 2008

RELÓGIOS


Nas horas que passeiam
Cheias de tédio pelos relógios nas paredes
Há um ritmo maldito, por repetitivo e inerte,
Cíclico-estático, pré-programado
Por convenções abstratas demais.

Eu repudio os relógios
E toda lógica cruel embutida em seus ponteiros,
Toda sua pontualidade e todo o seu rigor
Em insistentemente marcar, segundo após segundo
O intervalo que nos separa da morte.

Contassem eles nossos segundos todos bem vividos,
Longe das preocupações espaço-temporais,
Esses segundos que se imortalizam na memória,
E eu os veneraria,
Como a mais bela invenção dos homens.

Bradassem eles, ao invés de insistir nesse “tic-tac” medonho...
Bradassem eles nos ouvidos da vida, que precisa ser despertada,
Ao invés de condená-la ao sono induzido por suas convenções...
E eu não odiaria os relógios.

Fossem eles imperceptíveis, por desnecessários,
Ocupando o fundo de gavetas inacessíveis,
De cômodas de quartos iluminados pelo sol,
E cortinas infladas de vida e gozo...
Não fossem eles algozes controladores dos nossos desejos...
Eu os amaria.

Mas tal como se apresentam,
Com essa frieza mórbida,
Esse ritmo previsível, inalterável...
Assim... não me servem de nada,
Nem mesmo para marcar a cadência inexistente de meus versos.

Eu repudio os relógios!

2 comentários:

Érico Marin disse...

O poema é ótimo, mas me pergunto: o que te incomoda realmente é a brevidade da vida, a existência do tempo ou estar rodeada por "lembretes" da morte?

Ana Raquel Fernandes disse...

Acho que as três coisas aliadas, ou ainda a forma como aproveitamos ou não o breve intervalo que nos separa da morte. A morte em si não me amedronta, a morte ainda em vida, sim...