sexta-feira, 16 de maio de 2008

IDAS E VOLTAS


Rock pesado pra acalmar, disfarçar a ansiedade, e quarenta minutos de ônibus até o trabalho. Quarenta minutos de Sebastian Bach e algumas paisagens rotineiras. Sete da manhã, muito sono e nenhuma vontade de encarar a burocracia do sistema educacional.

Volume máximo, a intenção é abafar o ronco ensurdecedor do transporte público, que faz inúmeras paradas ao longo da Fernão Dias. E eu me pergunto, quando atento para esse nome: ele merecia tal homenagem? Não importa, a vida segue junto com o ônibus. Na minha cabeça num ritmo mais veloz, acompanhando a bateria.

Penso nas obrigações do trabalho e no trabalho que isso dá. Penso que é em vão, então, desisto de pensar nisso e me concentro na paisagem. Não havia notado uma árvore, acredito que centenária, enorme, parecendo definir o adjetivo frondosa. Ela sempre esteve ali, à beira da estrada, mas só hoje meu olhar perdido a notara.

Quantas imagens mais meu olhar haveria ignorado? Quantas pessoas, estando elas à margem ou não do meu caminho? Isso me sugere perda. A letra da música que ouço também. E repito elas várias vezes ao longo da estrada.

Me apetece a idéia de ouvir Sebastian gritando aos meus ouvidos: “I will be right there by your side”. Soa como um consolo. Estou sozinha com meus devaneios. É só mais um dia como outro qualquer, igual a muitos que a ele ainda seguirão... ou não.

Quando desisto de ouvir Sebastian, (já o havia ouvido na mesma canção três ou quatro vezes) ouço rumores de conversa. O assunto: política, e me fere os ouvidos o clichê maldito: “Ele rouba, mas faz. E o outro que rouba e não faz nada!”

Volto pra música, agora quase chegando ao meu destino. As imagens vistas da janela aprecem sempre mais bonitas que quando vistas de perto. Talvez seja esse o trunfo da distância. Me sinto distante daquilo que almejo. Sinto saudades daquilo que ainda nem provei.

Talvez eu seja mesmo uma pessoa muito estranha. Ou é o mundo que está assim. Ou mesmo as duas coisas. O fato é que enxergo além da estrada, do ônibus e do valor da passagem, enxergo dor no semblante das pessoas à sua margem. Observo as folhagens empoeiradas e reconheço nesse pó minha própria essência. Estou sempre à margem.

A volta não difere muito da ida, a não ser pelo acréscimo de alguns personagens: um nenê, a quem oferto um sorriso afável, e me retribui, como somos os nenês sabem fazer, oleiros, nesse trabalho pesado e desvalorizado, com pó até a alma, velhos que acenam contentes, cumprimentando o motorista, crianças imundas e felizes brincando nos quintais, onde as roupas tremulam ao vento e compõem uma cena belíssima, em função de seu multicolorido.

Volto a ouvir “By your side”, agora, ansiosa por chegar em casa e esquecer os devaneios todos que a paisagem me provocara.

Já deixei a estrada, contudo, continuo à margem. E meus devaneios ainda me perseguem.



2 comentários:

Unknown disse...

Ana Raquel
Cheguei ao seu Blog por causa de uma visita que fiz ao Francesco de La Cruz. Como sou curioso e gostei do seu veraz comentário, decidi lhe cumprimentar. Permita-me lhe dizer que o seu modo de escrever é saboroso.

Érico Marin disse...

Será que eu teria palavras para descrever as sensações sugeridas por este teu instântaneo existencial? O eu do seu texto (provavelmente você mesma) incorpora a inquietação das manhãs de milhares e a luz que teu olhar lança sobre a paisagem é o olhar de uns poucos capazes de experimentar a beleza... A música que consola, a solidão, o desânimo, o desconforto de existir num mundo que não se entende... Sentimentos universais e ao mesmo tempo provas de singularidade. Seu relato se debruça sobre o mundo com um olhar melancólico e piedoso, estendendo-lhe a mão e lhe oferecendo com a expressão uma possibilidade de beatitude.
Mas, por mais que eu fale, não vai ser o suficiente...