terça-feira, 13 de maio de 2008

O cavaleiro

Ela chegou sorrateira, como de costume, e com seu manto negro, tornou tudo em sua volta luto. Esse corcel indomável, cujo tempo do galope não se conhece, nem se determina, mas que à sua própria hora chega para todos, sem exceção.

Inevitável, ainda incompreensível, morte.

Quando essa indesejada visita chega e se aloja em nossos lares, é difícil não sentir o odor pútrido de sua presença. É difícil recepcioná-la em nossas salas, é quase impossível não salgar seu café com nossas mais sentidas lágrimas.

E sobra então, apenas aquilo que chamamos de lembrança, que é diferente da saudade, por ser essa última a mais aguda das dores, como o desejo insuportável de tornar a lembrança viva de novo.

Mas, infelizmente é mesmo com a morte que aprendemos sobre a vida, por mais contraditório que isso pareça ser.

Aprendemos principalmente com aqueles que se vão, deixando para trás um rastro de felicidade e plenitude. Aprendemos apenas com aqueles que souberam viver, aproveitando esta dádiva ao máximo. Está certo que na maioria das vezes são incompreendidos, criticados... quase sempre por quem encontra na rigidez hipócrita dos deveres sociais, desculpas para não gozar a vida intensamente.

Isso, é claro, não ameniza a dor da partida, muito pelo contrário, a acentua ainda mais, afinal, pessoas assim são raras.

Delas nos restará sempre a lembrança quase infantil das muitas molecagens, do pouco compromisso, da nenhuma seriedade, da irresponsabilidade, com que tanto sonhamos, da inconseqüência, que temos nos negado, da vida, que temos nos negado a viver, em função das muitas obrigações, que nos impuseram algum dia...

E morreremos todos nós, sem nunca sequer termos vivido. Morreremos e ao nosso velório alguns poucos “amigos” estarão presentes, mais uma vez, apenas por conveniência social. Porque nem amigos verdadeiros, durante todo o curso de nossa existência, tivemos tempo de conquistar. Já os “inconseqüentes”, em quantos corações deixaram as marcas da saudade sincera, da devoção genuína, do amor, conquistado aos risos...

Lamentemos a morte, isso não é proibido, mas aprendamos com ela um pouco mais da vida, que ela se extingue facilmente, inesperadamente, num canto qualquer, no meio do mato, tendo por testemunhas apenas o azul infinito do céu e seu criador, Deus. E ainda que demorem por dar por nossa ausência ou simples demora para retornar, Ele vela por nós em silêncio, porque infinita como o céu é a sua misericórdia.

E a morte é só esse corcel alucinado, em cuja sela vai montado cavaleiro de mira certeira.

Um comentário:

Érico Marin disse...

Já conhecia este teu texto. Estava no conjunto que eu "revisei". Chama minha atenção especialmente o fato de que este texto é um convite à vida - esta que temos e não sabemos como usar...